No Parque Nacional da Chapada Diamantina, na região de Iraquara e arredores foram descobertas mais de 250 grutas e cavernas até os dias de hoje, estas inseridas num contexto de rochas carbonáticas (sistema cárstico) que facilitam esse tipo de formação.
No centro de recepção do turista da Gruta da Torrinha, localizado na Aldeia da Torrinha, município de Iraquara, a cerca de 1 km da BR-122, e a 64 km de Lençóis, estávamos somente nós de turistas. Talvez pelo horário que chegamos, visto que a maioria das pessoas devem ter feito o passeio no período da manhã. O espaço conta com uma área de restaurante e banheiros para atender os visitantes.
Fomos super bem recepcionados, nos explicaram os passeios, e acabamos escolhendo o passeio mais longo, que leva até o salão onde está a famosa flor de aragonita. Esse passeio tem cerca de 2,5 km dentro da caverna, e custa R$80,00 por pessoa, com duração média de 2:30, entre ida e volta. Nessa gruta o caminho da ida é o mesmo da volta, entrada e saída da caverna ocorrem num ponto muito perto do centro de recepção da Gruta da Torrinha. O limite diário de visitantes por dia é de 200 pessoas, então na alta temporada é bom se programar para não chegar tarde e perder a viagem.
Munidos e lanterna e capacetes, e com nossas garrafinhas de água, acompanhamos nosso guia que a todo momento nos fornecia informações e falava sobre curiosidades da caverna da Torrinha. Super simpático nos conduziu pelas galerias e passagens, algumas vezes estreitas, que levam até o salão principal da visita, sempre auxiliando e muito zeloso de nossa segurança para que desfrutássemos de um passeio maravilhoso.
Logo após sairmos da recepção da Gruta da Torrinha e iniciarmos nosso passeio, nos deparamos com pinturas rupestre preservadas nas rochas da região. Muito legal, mas já havíamos conhecido outras e estávamos mais interessados em conhecer mais uma caverna. Então vamos em frente.
Perto dali já nos deparamos com a entrada da Gruta da Torrinha, que se mostra bastante ampla logo abaixo de onde chegamos. Até aqui o caminho é muito tranquilo. Agora é hora de acender as lanternas e curtir o passeio.
Curiosidades. A Gruta da Torrinha foi descoberta em 1950, quando foram mapeados 600 m no seu interior. Porém, apenas em 1992, uma espeleóloga francesa descobriu um acesso à uma galeria desconhecida quando parou para descansar e observou uma corrente de ar entre blocos desmoronados. A passagem estreita ficou conhecida como "passagem da francesa". Com esse novo trecho descoberto a caverna passou a ter mais dois roteiros de visitação, o mais longo com duração de quase 3 horas. Nos dias de hoje já existem mais de 22 km de caverna mapeada no sistema Torrinha.
A caverna foi formada pela passagem de um rio que atualmente corre por uma malha labiríntica a poucos metros abaixo do piso do conduto principal, túneis e salões que visitamos. A passagem desse rio pela galerias que visitamos deixou marcas nas paredes e tetos da caverna, sendo possível observar durante o passeio.
As galerias da caverna da Torrinha são as que mais se destacam pela variedade de formas e composição de seus depósitos químicos secundários no Brasil. Com um rico acervo de espeleotemas, predominam os precipitados de calcita que ocorrem como estalactites, estalagmites, helictites, colunas, travertinos, entre outros. Porém a aragonita é outro mineral bastante comum, e nas mais variadas formas, sendo a mais famosa a flor de aragonita (grande atrativo da caverna). São encontradas ainda bolhas de calcita, agulhas de gipsita, vulcões, agulhas de gesso que se parecem com vidro e lagos subterrâneos.
O trecho inicial, o que seria o Roteiro 1, não tem muitos atrativos, e o caminho é considerado bastante tranquilo. Vemos no tetos e paredes da caverna as marcas deixadas pela passagem da água que causou erosão e desenhou formas hoje observadas na gruta. Pelo caminho observamos alguns pilares de sustentação preservados pela natureza.
Mas, a partir do momento que passamos pela "passagem da francesa", onde inclusive temos que utilizar a ajuda das mãos, e ter um pouquinho de elasticidade, para transpormos esse primeiro desafio que é apertado, as coisas começam a mudar.
Em alguns pontos o teto fica mais baixo, e temos que cuidar não só da cabeça (apesar de estarmos de capacete), mas também para não danificar nenhuma estrutura geológica que possa ali existir. Em outros, ao lado do caminho que percorremos existem fendas, e o chão muitas vezes é escorregadio, por causa do tipo de rocha e a umidade que existe na caverna, que propicia a formação dos espeleotemas. Por isso é necessário muita atenção e cuidado.
Pelo caminho até os salões maiores é possível observar algumas estruturas não tão imponentes, mas também não menos bonitas e interessantes, como bolha de calcita e flor de calcita. Principalmente as estalactites, e em menor quantidade as estalagmites se formam quase ao longo de todo o percurso. Vamos observando e seguindo com muito cuidado e atenção.
Chegamos ao salão conhecido como Salão dos Vulcões, onde pudemos observas as estruturas formadas no piso da caverna que se assemelham a pequenos vulcões. Com formato cônico e uma cavidade no topo, são formados por gotejamento em represas de água saturada em carbonato de cálcio. A gota caindo do teto se choca com a água e se subdivide precipitando a calcita na forma de microcristais e liberando o CO2. Os precipitados se depositam no fundo da represa se superpondo. Porém, no centro do círculo, pela turbulência gerada pelo impacto da gota, a calcita não se acumula. A altura deles é limitada pelo nível da água, e por essa razão geralmente os topos são nivelados.
No Palácio dos Cristais, a quantidade, tamanho e forma das estalactites impressiona. O guia pede que tenhamos cuidado, e existe até umas cordas isolando para que as pessoas não cheguem muito perto e possam acabar danificando as estruturas que demoraram tantos anos para serem esculpidas pela natureza com tanto capricho. Na ponta de muitas destas estalactites ocorrem pequenos cristais transparentes e com cristalização perfeita, que parecem ter sido lapidados, exibindo um brilho encantador quando iluminados, deixam o lugar ainda mais fascinante.
Fico tentando imaginar a quantidade de água infiltradas pelas inúmeras fraturas para que existisse tanta matéria prima para a formação das estalactites, e o tempo que demorou para que atingissem o tamanho e forma que vemos nos dias de hoje. Olhando de longe parecem cortinas de estalactites espalhadas ao longo do salão.
Continuamos pelo roteiro 3 até o Salão Branco, onde se encontra a famosa flor de aragonita na ponta de uma helictite. Alguns trechos desse salão, incluindo a área onde encontra-se a flor de aragonita estão isolados por uma corda, para que os turistas não ultrapassem, evitando que pequenos acidentes possam danificar estruturas tão preciosas.
As helictites são espeleotemas encontrados em cavernas calcárias que mudam sua direção de vertical em um ou mais momentos durante o crescimento, ficando com um formato curvo ou angular, parecendo ter sido cultivados em gravidade zero.
Ainda no Salão Branco, que é uma galeria com mais de 100 m, existem blocos de rochas com mais de 20 m no chão, produto de processo de colapso a muito tempo atrás. Ali existem ainda muitas outras feições e estruturas que podem ser admiradas, inclusive uma "replica" do Morro do Pai Inácio "esculpida pela natureza" em estalagmite, e para isso demos uma volta por ele todo.
Dando continuidade ao passeio, para seguirmos para o próximo ponto de visita, tivemos que atravessar um trecho estreito que exigia um pouco de habilidade e esforço, no qual quase tivemos que rastejar, e que após passarmos, ficamos felizes por termos feito. Ah, esse foi o único trecho mais complicado que passamos que lembrei de filmar, o que é uma pena.
O que continuamos vendo ao longo do passeio só vem a somar com toda a aventura e beleza que vimos até aqui. É uma passeio muito emocionante e gratificante, ainda mais para uma pessoa que estudou e entende muito de como e quanto tempo a natureza levou para moldar o que podemos observar hoje.
Geologia. A área onde encontra-se o sistema da Gruta da Torrinha corresponde à porção sul da Bacia Sedimentar de Irecê. A sequência composta por rochas carbonáticas. desta bacia pertence à Formação Salitre, Grupo Una, Supergrupo São Francisco, com idade neoproterozóica. Na maioria das vezes as cavernas dessa região são acessadas via dolinas de colapso ou abatimento. Uma descrição mais completa e técnica pode ser encontrada no http://sigep.cprm.gov.br/sitio018/sitio018.htm.
Segundo estudos, a evolução dos sistemas Lapa Doce e Lapa da Torrinha envolve uma história multifásica que passou por fases de abertura, ampliação, assoreamento e, por fim, desobstrução/erosão de condutos. Em alguns trechos as galerias foram totalmente modificadas por processos de colapso de suas paredes e tetos, como no Salão Branco.
Chegado ao ponto final do passeio tínhamos que voltar por onde havíamos ido, e sabendo já como seria o caminho, fomos apreciando mais uma vez tudo que havíamos visto no percurso de ida, agora por outro ângulo, mas também vimos coisas novas que não havíamos nos atentado quando passamos na primeira vez.
Depois de visitar a Gruta da Lapa Doce nem sabíamos o que esperar, achávamos já ter visto e conhecido caverna, mas a Gruta da Torrinha é algo diferenciado. Com formações geológicas maravilhosas e distintas ao longo do passeio todo, ainda tem desafios como passar por lugares apertados, andar abaixados e até rastejando, o que causa uma sensação de medo, mas que com coragem vamos superando, e depois vem o sentimento de felicidade por ter conseguido ir tão longe, e por/para ver feições naturais tão raras e maravilhosas.
Recomendações:
Desaconselho este passeio para pessoas claustrofóbicas ou que tenham problema para locomoção, visto que os joelhos são bastante exigidos nos momentos que temos que caminhar abaixados, e mesmo rastejar ao longo do passeio.
Para esse tipo de passeio é sempre recomendado utilizar roupas confortáveis (exige elasticidade em alguns momentos) e sapatos adequados, pois o terreno é irregular e pode eventualmente causar quedas.
Como existem passagens estreitas, é aconselhável levar somente o essencial durante o passeio, sugiro água (suficiente para o período do passeio) e a câmera.
E mais importante, deixe o lugar limpo, recolhendo e levando consigo todo o lixo que produzir, e as vezes, se puder, até os que algumas "pessoas" possam ter deixado para trás.
E de lembrança, leve apenas fotografias. Nunca piche ou escreva, mesmo que seja desgastando apenas as rochas, são formações que levaram milhares de anos para se formar, e só estão assim bonitas durante sua visita, porque os visitantes anteriores a preservaram.
Manter este lugar mágico é responsabilidade de cada um!
Sem dúvida um passeio imperdível pela Chapada Diamantina, a Gruta da Torrinha é um passeio que deve estar no roteiro de todos que querem ter um passeio com muita beleza e um pouco de aventura.
Saímos com pressa do centro de recepção do turista da Gruta da Torrinha, pois queríamos apreciar o pôr-do-sol do alto do Morro do Pai Inácio, e essa aventura vocês acompanham no próximo post.
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